O cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública no Brasil é um tema que constantemente suscita debates jurídicos, principalmente no que diz respeito à expedição de precatórios e à fixação de honorários advocatícios. Recentemente, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão significativa no julgamento do AgInt no AgInt no REsp 2.008.452-SP em setembro de 2024, tratando justamente dessa questão. Nesse artigo, exploraremos as nuances desse entendimento à luz do Tema 1190/STJ e dos princípios processuais envolvidos.
O Sistema de Precatórios e a Fazenda Pública
Para compreender a controvérsia sobre a fixação de honorários advocatícios, é fundamental primeiro contextualizar o sistema de pagamento de precatórios. Os precatórios são instrumentos jurídicos previstos no art. 100 da Constituição Federal, que regulam o pagamento de dívidas da Fazenda Pública resultantes de condenação judicial. De acordo com essa sistemática, o pagamento das obrigações devidas pela Fazenda Pública segue uma ordem cronológica, a fim de respeitar a capacidade financeira dos entes públicos.
O procedimento de expedição de precatórios é uma forma de garantir o cumprimento das obrigações judiciais, mas por ser um processo que segue prazos e cronologias específicas, acaba gerando discussões acerca da imposição de honorários advocatícios nas fases de execução de sentença.
A Decisão no AgInt no AgInt no REsp 2.008.452-SP e o Tema 1190/STJ
A jurisprudência consolidada no Tema 1190/STJ estabelece que não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública quando não há impugnação, mesmo que o crédito esteja sujeito ao pagamento por meio de RPV (Requisição de Pequeno Valor). Essa tese, ao limitar a imposição de honorários, visa a uma interpretação condizente com a realidade financeira e operacional do ente público.
No entanto, a decisão de setembro de 2024 traz uma importante diferenciação (distinguishing), que complementa e, ao mesmo tempo, excepciona o entendimento do Tema 1190. No caso julgado, a Fazenda Pública apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, o que resultou na fixação de honorários advocatícios sobre a parcela controvertida do crédito. Essa diferenciação é central, pois indica que, uma vez impugnada a execução, os honorários tornam-se devidos, como previsto no art. 85, § 7º do CPC/2015.
Portanto, o STJ reafirmou que a impugnação por parte da Fazenda Pública caracteriza uma resistência ao cumprimento da obrigação judicial, justificando a aplicação de honorários advocatícios. Essa resistência transforma o caráter do cumprimento de sentença, possibilitando que os honorários sejam fixados sobre a parcela controversa da dívida, ou seja, aquela contestada pela Fazenda.
O Papel dos Honorários Advocatícios no Cumprimento de Sentença
A fixação de honorários advocatícios no cumprimento de sentença desempenha um papel crucial no processo civil, pois busca reequilibrar a relação entre as partes. No âmbito do cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, esse equilíbrio é ainda mais necessário, dado que o ente público possui a prerrogativa de quitar suas dívidas através de precatórios, o que dilata o tempo de pagamento.
Contudo, a impugnação por parte da Fazenda, ao prolongar ainda mais o processo de satisfação do crédito, gera ônus adicionais para a parte vencedora, notadamente os honorários advocatícios. A decisão recente do STJ, ao estabelecer a possibilidade de fixação de honorários sobre a parcela controvertida, representa uma resposta a esse problema, alinhando-se aos princípios da duração razoável do processo e da boa-fé processual.
Além disso, a jurisprudência reafirma que, mesmo que o procedimento de pagamento siga o rito do precatório, a Fazenda Pública não está isenta de ser responsabilizada pela sua atuação processual. O ato de impugnar a execução, se rejeitado, implica em sucumbência, o que justifica a fixação de honorários em favor da parte adversa.
O CPC/2015 e a Continuidade da Jurisprudência
É importante destacar que, apesar da mudança do Código de Processo Civil em 2015, muitos dos entendimentos firmados à época do CPC/1973 foram preservados. Um exemplo é o Tema 407/STJ, que afirma que os honorários são devidos no cumprimento de sentença após esgotado o prazo para pagamento voluntário. Esse entendimento foi consolidado na Súmula 517, que se mantém válida à luz do CPC/2015.
A regra específica do art. 85, § 7º, do CPC/2015, que regula a fixação de honorários contra a Fazenda Pública, demonstra a continuidade do entendimento de que os honorários devem ser fixados nos casos de impugnação. Assim, a jurisprudência, ao se adequar ao novo código, busca harmonizar os interesses processuais e a peculiaridade do regime de precatórios, assegurando um equilíbrio entre o direito do credor à justa remuneração e as prerrogativas da Fazenda Pública.
Considerações Finais
O julgamento do AgInt no AgInt no REsp 2.008.452-SP, ao excepcionar o Tema 1190, marca um passo importante para a compreensão da execução contra a Fazenda Pública e da fixação de honorários advocatícios. Ao estabelecer que a apresentação de impugnação pela Fazenda enseja a fixação de honorários sobre a parcela controvertida, a Primeira Turma do STJ reafirma o compromisso com a efetividade do processo e com a proteção dos direitos do credor.
Essa decisão é relevante porque equilibra as peculiaridades do regime de precatórios com a necessidade de garantir uma execução célere e justa. Os honorários advocatícios não são apenas uma compensação financeira, mas também um instrumento de pressão para que a Fazenda Pública cumpra suas obrigações de maneira mais eficiente e menos protelatória.
Portanto, o tema continua a exigir atenção, especialmente considerando o impacto das decisões judiciais em face da Fazenda Pública e a necessidade de constante aprimoramento das normas processuais aplicáveis.
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