24/02/2020

O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL PODE SER APLICADO NAS AÇÕES PENAIS?




         Dentre um dos caminhos para se chegar numa reflexão a respeito do tema, traduz muito mais com a finalidade prática com vista a explanar de modo positivo quanto a possibilidade ou não de aplicar alguns dispositivos previstos no Código de Processo Civil para a seara penal. Afinal, é permitido aplicar de forma subsidiária?

         A resposta é afirmativa. O próprio Código de Processo Penal de forma cristalina traz a possibilidade de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil:

Art. 3°. A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.

Interessante pontuarmos que, o CPP acima transcrito, trata de três institutos diversos, a interpretação extensiva, a aplicação analógica e de forma complementar, os princípios gerais do direito.

Vejamos:

a)   Interpretação extensiva:

Em síntese, é uma técnica de decisão na qual o aplicador do direito amplia o sentido da norma, tendo por objeto identificar o verdadeiro conteúdo e alcance da lei quando não foi suficientemente expresso no texto normativo.

b)   Aplicação analógica:

Consiste na aplicação de norma legal a determinado caso que inexista norma reguladora e se objetiva a preencher lacuna legislativa, de forma integrativa. De fato, a aplicação analógica provém de aspectos interpretativos dos quais a vontade da norma jurídica é abraçar os casos análogos, semelhantes àqueles por ela regulados[1].

Neste sentido, o preenchimento de tais lacunas ou vazios normativos será solucionado por analogia, devendo o aplicador observar se realmente possa ser estabelecido para determinado fato. Citando um exemplo: o Código de Processo Penal não disciplinou especificamente se os embargos declaratórios interrompem os prazos para eventual recurso, sendo aplicado por analogia do art. 1.026 do Código de Processo Civil, que interrompe o prazo para a interposição de eventual recurso.
Interessante pontuarmos que, o artigo 4° da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro também estabelece que, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Note-se que, não somente será necessária a observância do art. 3° do CPP com base de aplicação autorizativa de casos análogos, mas sim, outros elementos que possa trazer como critério de compreensão capaz de trazer compatibilidade e segurança jurídica ao processo penal num todo.

c)   Os princípios gerais do direito:

 São enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico em sua aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. Baseiam-se de acordo com o postulado ético do povo.

Conforme os conceitos básicos acima expostos, podemos afirmar que, o Código de Processo Penal autoriza a interpretação extensiva com o escopo de alcançar determinada norma ampliando seu sentido e conteúdo, mas, com a colaboração da analogia e os princípios gerais do direito a normas pertencentes ao Direito Processual Civil ajustam-se preenchendo lacunas que o CPP assim não determinou, seguindo em consonância, inclusive ao art. 5° da LINDB, ao passo que, na aplicação da lei, o juiz deverá atender os socialmente empregados, com base às exigências do bem comum. Portanto, o critério de interatividade deve ser preciso, permitindo-se a evitar excessos na aplicação do CPC, pois não se trata de uma “farra normativa”, eis que a aplicação em matéria processual penal revela-se como indispensável ao suprimento.

Vejamos algumas situações mais comuns, devendo considerar como cabível ou não aplicar o CPC nas ações penais, na ausência normativa, quando o CPP nada dispuser a respeito acerca de determinada temática.

1)   Emenda à Inicial

No Código de Processo Civil, admite-se a emenda à inicial, nos termos do artigo 321 do CPC, no qual o juiz, a verificar que a petição não preenche os requisitos da inicial estabelecido no próprio CPC, ou mesmo, não apresente defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito. Nesta hipótese, o magistrado irá determinar que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, emende ou complete, indicando de modo preciso, o que necessita ser corriigo ou completado. No parágrafo único do artigo 321 do CPC, trata que, se o autor não cumprir a diligência determinada pelo juiz, via de consequência, será indeferida petição inicial.

No Código de Processo Penal, rege-se ao sistema acusatório, no qual cabe ao titular da ação penal é o Ministério Público, conforme atribuições conferidas no artigo 129, da CF/88. Neste ponto, o “autor” da ação penal, o MP, promove a denuncia com base nos indícios de autoria e materialidade do crime em face de um determinado acusado, que será réu da ação penal.

Questiona-se, é correto o MP emendar a denuncia, aplicando de forma subsidiária o art. 321, do CPC? Trata-se de um aspecto polêmico e divergente. Vejamos três posições:

1a Posição: É possível emendar a denúncia com base no artigo 321, do CPC de forma subsidiária ao CPP

Na aplicação ao princípio da economia processual, seja material ou instrumental, é possível o Ministério Público emendar a denúncia inclusive na promoção da verdade real.

A emenda ou aditamento à denúncia é comum na prática forense, como por exemplo, a intimação do MP para que indique as provas que pretenda produzir em juízo e a juntada do rol de testemunhas  também por parte da defesa do réu.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que a emenda a denúncia ser possível em determinado caso concreto, especialmente para juntada do rol de testemunhas (RHC 37.587/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 16.2.2016).

2a Posição: Não é possível emendar a denúncia por ausência de normal processual penal

Se o Código de Processo Penal não trouxe em seu teor normativo qualquer autorização expressa de aditamento ou emenda a denuncia por parte do Ministério Público, devendo-se promover ao princípio da legalidade estrita ou fechada, de natureza vinculativa ao texto legal, ou seja, aquilo que não estiver prescrito em lei não pode por conveniência ou oportunidade das partes elegerem qual o diploma normativo o mais adequado ao caso concreto.

Ademais, o direito a liberdade é representado por um direito indisponível em sua essência, cabendo ao Estado mitigar o referido direito por meio de prisão, aplicando a pena a determinado caso concreto. É neste aspecto que a figura do juiz no processo penal ser também essencial, não podendo apenas conceder a emenda a denuncia de forma abstrata, que por vezes, a prática o acusado já esteja preso preventivamente e ao aditar, seguramente culminará em contrariedade ao princípio da economia processual, visto que não pode o Estado manter o preso além do previsto em lei.

O STJ já manifestou que, o aditamento à denúncia tem por pressuposto o surgimento de fato novo que conduza a uma nova classificação jurídico-penal do fato (HC 35.955/ES, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 15.03.2005).

3a Posição: Aplicação equilibrada do artigo 321 do Código de Processo Civil na Ação Penal
Não se pode de modo algum, aplicar a norma processual civil de forma absoluta, cabendo ao juiz observar a cada caso concreto, evitando-se que se violem aos princípios processuais penais, inclusive ao contraditório e a ampla defesa.

Exemplo prático: O MP apresenta a emenda a denuncia organizada e elucidativa dos fatos narrados e a capitulação do crime imputado, para que o juiz possa aplicar a lei ao caso concreto, ao passo que, caberá ao juiz conceder vistas para que a defesa observe quanto ao teor da denuncia emendada ou reorganizada. Caso o juiz assim, não o faça na prática, sem sobra dúvidas, estará sob o manto da ilegalidade e inconstitucionalidade, visto que houve a disparidade de armas no processo penal.

Desta forma, o aditamento da denuncia pelo MP é possível na prática, mas deverá sediar com os argumentos jurídicos que possam refletir de modo claro e preciso, a técnica sem haver qualquer prejuízo direto para o Réu e sua defesa no processo penal.

2. As regras de contagem de prazo no CPC é aplicado em ações penais?

Noutro ponto polêmico e de extrema relevância prática, diz respeito quanto à possibilidade de aplicação ou não das regras de contagem de prazo prevista no Código de Processo Civil em ações de natureza penal.

O art. 129 do CPC trata que: “Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”.

Afirma-se que o dispositivo processual civil é inaplicável em ações de matéria penal, haja vista possuir regras específicas no Código de Processo Penal, conforme o artigo 798, sendo que a contagem de prazos processuais não pode começar ou terminar em dias não úteis como sábados, domingos e feriados, cabendo contarem-se os prazos de forma corrida, sendo considerado o primeiro dia e excluído o último dia.

Imagina-se na prática forense aplicar os dias úteis as contagens de prazo em casos de prescrição e apresentação de queixa-crime, ao passo que este último seria interessante a modificação legislativa importante considerar em dias úteis, no entanto, serão também em dias corridos, já que a Lei 13.964/2019, denominada como Pacote Anticrime, alterou quanto ação penal pública condicionada à representação, nos crimes de estelionato, sendo medidas excepcionais previstas no art. 171, § 5º, do CP.

3. É possível Embargos de Declaração no Juizado Especial Criminal?

O Art. 1.022 do Código de Processo Civil traz um rol taxativo em que cabem os embargos de declaração em face de qualquer decisão judicial que: I – esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II – suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III – corrigir erro material.

No tocante ao ponto omissivo da decisão, o parágrafo único do art. 1.022 do CPC estabelece que:
I – deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento; II – incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º (obrigatoriedade de decisão fundamentada).
Partindo-se ao princípio da instrumentalidade das formas e sendo um diploma especial prescrito pela Lei n. 9.099/1995, entende-se como inaplicável o artigo 1.022 do CPC, devendo observar quanto às regras previstas no artigo 83 da referida lei especial:
Cabem embargos de declaração quando, em sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição ou omissão.
§ 1°. Os embargos de declaração serão opostos por escrito ou oralmente, no prazo de cinco dias, contados da ciência da decisão;
§ 2°. Os embargos de declaração interrompem o prazo para interposição de recurso.





[1] Seguindo as lições de Tourinho Filho.



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