27/09/2024

A Fixação de Honorários Advocatícios no Cumprimento de Sentença contra a Fazenda Pública: Conexões e Implicações do Tema 1190/STJ

O cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública no Brasil é um tema que constantemente suscita debates jurídicos, principalmente no que diz respeito à expedição de precatórios e à fixação de honorários advocatícios. Recentemente, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão significativa no julgamento do AgInt no AgInt no REsp 2.008.452-SP em setembro de 2024, tratando justamente dessa questão. Nesse artigo, exploraremos as nuances desse entendimento à luz do Tema 1190/STJ e dos princípios processuais envolvidos.

O Sistema de Precatórios e a Fazenda Pública

Para compreender a controvérsia sobre a fixação de honorários advocatícios, é fundamental primeiro contextualizar o sistema de pagamento de precatórios. Os precatórios são instrumentos jurídicos previstos no art. 100 da Constituição Federal, que regulam o pagamento de dívidas da Fazenda Pública resultantes de condenação judicial. De acordo com essa sistemática, o pagamento das obrigações devidas pela Fazenda Pública segue uma ordem cronológica, a fim de respeitar a capacidade financeira dos entes públicos.

O procedimento de expedição de precatórios é uma forma de garantir o cumprimento das obrigações judiciais, mas por ser um processo que segue prazos e cronologias específicas, acaba gerando discussões acerca da imposição de honorários advocatícios nas fases de execução de sentença.

A Decisão no AgInt no AgInt no REsp 2.008.452-SP e o Tema 1190/STJ

A jurisprudência consolidada no Tema 1190/STJ estabelece que não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública quando não há impugnação, mesmo que o crédito esteja sujeito ao pagamento por meio de RPV (Requisição de Pequeno Valor). Essa tese, ao limitar a imposição de honorários, visa a uma interpretação condizente com a realidade financeira e operacional do ente público.

No entanto, a decisão de setembro de 2024 traz uma importante diferenciação (distinguishing), que complementa e, ao mesmo tempo, excepciona o entendimento do Tema 1190. No caso julgado, a Fazenda Pública apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, o que resultou na fixação de honorários advocatícios sobre a parcela controvertida do crédito. Essa diferenciação é central, pois indica que, uma vez impugnada a execução, os honorários tornam-se devidos, como previsto no art. 85, § 7º do CPC/2015.

Portanto, o STJ reafirmou que a impugnação por parte da Fazenda Pública caracteriza uma resistência ao cumprimento da obrigação judicial, justificando a aplicação de honorários advocatícios. Essa resistência transforma o caráter do cumprimento de sentença, possibilitando que os honorários sejam fixados sobre a parcela controversa da dívida, ou seja, aquela contestada pela Fazenda.

O Papel dos Honorários Advocatícios no Cumprimento de Sentença

A fixação de honorários advocatícios no cumprimento de sentença desempenha um papel crucial no processo civil, pois busca reequilibrar a relação entre as partes. No âmbito do cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, esse equilíbrio é ainda mais necessário, dado que o ente público possui a prerrogativa de quitar suas dívidas através de precatórios, o que dilata o tempo de pagamento.

Contudo, a impugnação por parte da Fazenda, ao prolongar ainda mais o processo de satisfação do crédito, gera ônus adicionais para a parte vencedora, notadamente os honorários advocatícios. A decisão recente do STJ, ao estabelecer a possibilidade de fixação de honorários sobre a parcela controvertida, representa uma resposta a esse problema, alinhando-se aos princípios da duração razoável do processo e da boa-fé processual.

Além disso, a jurisprudência reafirma que, mesmo que o procedimento de pagamento siga o rito do precatório, a Fazenda Pública não está isenta de ser responsabilizada pela sua atuação processual. O ato de impugnar a execução, se rejeitado, implica em sucumbência, o que justifica a fixação de honorários em favor da parte adversa.

O CPC/2015 e a Continuidade da Jurisprudência

É importante destacar que, apesar da mudança do Código de Processo Civil em 2015, muitos dos entendimentos firmados à época do CPC/1973 foram preservados. Um exemplo é o Tema 407/STJ, que afirma que os honorários são devidos no cumprimento de sentença após esgotado o prazo para pagamento voluntário. Esse entendimento foi consolidado na Súmula 517, que se mantém válida à luz do CPC/2015.

A regra específica do art. 85, § 7º, do CPC/2015, que regula a fixação de honorários contra a Fazenda Pública, demonstra a continuidade do entendimento de que os honorários devem ser fixados nos casos de impugnação. Assim, a jurisprudência, ao se adequar ao novo código, busca harmonizar os interesses processuais e a peculiaridade do regime de precatórios, assegurando um equilíbrio entre o direito do credor à justa remuneração e as prerrogativas da Fazenda Pública.

Considerações Finais

O julgamento do AgInt no AgInt no REsp 2.008.452-SP, ao excepcionar o Tema 1190, marca um passo importante para a compreensão da execução contra a Fazenda Pública e da fixação de honorários advocatícios. Ao estabelecer que a apresentação de impugnação pela Fazenda enseja a fixação de honorários sobre a parcela controvertida, a Primeira Turma do STJ reafirma o compromisso com a efetividade do processo e com a proteção dos direitos do credor.

Essa decisão é relevante porque equilibra as peculiaridades do regime de precatórios com a necessidade de garantir uma execução célere e justa. Os honorários advocatícios não são apenas uma compensação financeira, mas também um instrumento de pressão para que a Fazenda Pública cumpra suas obrigações de maneira mais eficiente e menos protelatória.

Portanto, o tema continua a exigir atenção, especialmente considerando o impacto das decisões judiciais em face da Fazenda Pública e a necessidade de constante aprimoramento das normas processuais aplicáveis.

Como Médicos e demais profissionais da saúde com Vários Empregos Podem Recuperar Contribuições Previdenciárias Pagas a Mais

 


Quando falamos sobre o direito de médicos à restituição de valores pagos a maior em contribuições previdenciárias, especialmente no que tange ao INSS, é importante destacar que essa situação geralmente ocorre devido ao fato de muitos desses profissionais possuírem mais de uma fonte de renda. 

O que pode parecer uma vantagem, em termos tributários, resulta em pagamentos indevidos, pois o valor pago ao INSS muitas vezes excede o limite permitido pela legislação.

O problema da contribuição previdenciária sobre múltiplas rendas

A legislação previdenciária brasileira estabelece um teto máximo para as contribuições ao INSS, conhecido como "teto previdenciário". Para o ano de 2024, esse teto foi ajustado para R$ 7.786,02, conforme correção baseada no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)​. Isso significa que, independentemente do total de rendimentos de um médico com várias fontes de renda, o valor máximo que pode ser recolhido a título de contribuição previdenciária não pode ultrapassar esse montante.

No entanto, muitos médicos possuem múltiplos vínculos, como empregos em hospitais, clínicas e consultórios próprios, e cada fonte acaba realizando os descontos previdenciários de forma isolada, sem considerar o valor já descontado em outras atividades. 

Isso gera uma soma total que, muitas vezes, ultrapassa o limite estabelecido pela lei, configurando um pagamento indevido e passível de restituição.

O direito à restituição de tributos

A legislação brasileira assegura aos médicos e outros profissionais com múltiplas fontes de renda o direito de solicitar a devolução desses valores pagos a maior ao INSS. Isso deve ser feito dentro de um prazo prescricional de cinco anos, contados a partir da data de recolhimento. 

É fundamental ressaltar que esses valores pagos além do teto não trazem qualquer benefício adicional, como aumento no valor da aposentadoria, o que reforça a importância de buscar a restituição​.

Como funciona o processo de restituição?

O processo de restituição exige uma análise minuciosa das contribuições feitas em cada fonte de renda. Após identificar os valores excedentes, o profissional deve protocolar um pedido de devolução junto à Receita Federal ou diretamente ao INSS. 

Geralmente, o prazo para processamento da solicitação é de até 90 dias.

No entanto, se o pedido administrativo for negado ou não houver uma resposta dentro do prazo, o profissional pode buscar a restituição através de uma ação judicial

Nesse cenário, o médico tem o direito de pleitear os valores pagos indevidamente nos últimos cinco anos de forma retroativa. Além disso, a ação judicial permite a aplicação de correção monetária, o que pode aumentar o valor a ser restituído​​.

Em muitos casos, a via judicial se torna necessária quando a administração pública não reconhece automaticamente o direito à restituição ou apresenta dificuldades no processamento do pedido. A ação judicial, portanto, oferece um caminho seguro para que o profissional recupere integralmente os valores pagos a maior, com a devida atualização monetária, garantindo a correta aplicação da legislação previdenciária.

Orientações práticas para médicos 

Se você é médico e suspeita que tenha pagado valores além do teto previdenciário, é essencial agir com rapidez. Cada mês que passa, os valores recolhidos há mais de cinco anos prescrevem, ou seja, deixam de ser passíveis de restituição. 

O ideal é consultar um advogado para realizar uma análise detalhada das suas fontes de renda e os valores recolhidos​.

Além disso, outros profissionais da saúde, como dentistas e enfermeiros, também podem solicitar a restituição, caso se enquadrem nessa situação.


Quem tem direito à restituição de valores pagos a maior ao INSS?

A restituição dos valores pagos a maior ao INSS é um direito garantido a todos os profissionais que possuem mais de uma fonte de renda e que contribuem para a Previdência Social, incluindo médicos, dentistas, professores universitários, engenheiros, advogados e outros profissionais que se enquadrem nessa condição. 

A situação é comum para aqueles que acumulam vínculos empregatícios com CLT e outras formas de atuação, como autônomos ou sócios de empresas que também recolhem contribuição previdenciária.

O direito à restituição ocorre quando as contribuições realizadas ultrapassam o teto previdenciário, que em 2024 foi fixado em R$ 7.786,02​.

Assim, quem contribui com valores que excedem esse limite tem o direito de solicitar a devolução do montante excedente.

Exemplo prático

Imagine um médico que atua simultaneamente em dois hospitais, ambos com vínculo empregatício formal (CLT), e também em uma clínica particular como autônomo. Suponha que ele receba R$ 6.000,00 em cada hospital, totalizando R$ 12.000,00 mensais. Cada um dos hospitais desconta a contribuição ao INSS individualmente, com base no salário recebido, sem levar em conta o teto previdenciário.

  1. No primeiro hospital, a contribuição ao INSS seria calculada sobre os R$ 6.000,00, aplicando-se a alíquota de 14%, o que resulta em um desconto de R$ 840,00.
  2. O mesmo cálculo é feito pelo segundo hospital, gerando mais um desconto de R$ 840,00.
  3. O total de contribuição previdenciária seria, então, R$ 1.680,00. No entanto, como o teto do INSS é de R$ 7.786,02, o valor máximo que poderia ser recolhido é 14% sobre esse teto, ou seja, R$ 1.090,04.

Neste caso, o médico teria pago R$ 589,96 a mais do que o permitido pela legislação. Esse valor é passível de restituição, e ele pode solicitar a devolução ao INSS.


Atuo como residente e plantonista como CNPJ, tenho direito?

Sim, nesse caso, você pode ter direito à restituição. A residência médica é, em regra, uma atividade vinculada a um hospital ou instituição, normalmente com carteira assinada (CLT), o que gera o desconto de INSS sobre o valor da bolsa. Paralelamente, como plantonista atuando sob CNPJ, você também contribui para o INSS, seja como sócio de pessoa jurídica ou autônomo.

O problema surge quando as contribuições realizadas sob os dois regimes ultrapassam o teto do INSS. Por exemplo, se o valor da sua bolsa de residência somado aos seus rendimentos como plantonista (via CNPJ) supera o teto previdenciário, você tem o direito de solicitar a restituição dos valores pagos a maior.

Esse é um cenário comum para médicos que conciliam a residência com atividades autônomas ou como sócios de clínicas. Assim, é importante verificar se, somando as contribuições de ambas as fontes de renda, houve recolhimento acima do limite permitido.


O Caminho é Ação Judicial: Direito ao Retroativo de 5 Anos

Quando o pedido de restituição administrativa junto à Receita Federal ou ao INSS não é atendido ou há dificuldades em comprovar os valores pagos a maior, o profissional tem a possibilidade de recorrer à via judicial. 

A legislação brasileira permite o pedido de restituição dos valores pagos acima do teto do INSS nos últimos cinco anos, de forma retroativa. Isso significa que, mesmo que você não tenha feito a solicitação anteriormente, ainda é possível buscar judicialmente a devolução dos valores indevidamente recolhidos no período de até cinco anos anteriores ao protocolo da ação​​.


Na ação judicial, além da restituição do valor excedente, o contribuinte pode requerer a correção monetária, o que pode aumentar significativamente o montante a ser devolvido. A judicialização pode ser necessária em casos em que a análise administrativa demore ou quando houver indeferimento sem justa causa.

Essa via é especialmente recomendada quando há uma quantia significativa a ser recuperada ou quando as tentativas administrativas não obtiveram sucesso. O processo é tecnicamente viável e, com a orientação adequada, o médico pode garantir o seu direito à devolução dos valores pagos indevidamente.


Conclusão

Médicos com múltiplas fontes de renda, sejam eles residentes, plantonistas com CNPJ ou profissionais em diferentes regimes de trabalho, devem estar atentos aos valores pagos ao INSS. 

O teto previdenciário para 2024 é de R$ 7.786,02, e qualquer contribuição que ultrapasse esse valor é considerada indevida e pode ser restituída​.

O direito à restituição é garantido pela legislação e pode ser solicitado para valores pagos nos últimos cinco anos. Isso significa que, mesmo que o pagamento a maior tenha ocorrido ao longo de anos anteriores, é possível reaver essas quantias, com correção monetária. 

Se o pedido administrativo não for atendido ou houver dificuldades em obter a devolução, a via judicial oferece uma alternativa eficiente para recuperar os valores pagos a mais.

Este direito não só garante o cumprimento das normas previdenciárias, como também evita prejuízos financeiros para os profissionais que, muitas vezes, desconhecem essa possibilidade. 

Portanto, é fundamental verificar os recolhimentos ao INSS e buscar a restituição do que foi pago indevidamente, assegurando-se de não perder esse direito com o passar do tempo.



*Consulte sempre um advogado.


Luiz Fernando Pereira - Advocacia

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23/09/2024

A Nova Súmula 672 do STJ: Um Marco nos Processos Administrativos Disciplinares

    Em 11 de setembro de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a Súmula n. 672, publicada no Diário da Justiça Eletrônico em 16 de setembro do mesmo ano, com o seguinte enunciado:

"A alteração da capitulação legal da conduta do servidor, por si só, não enseja a nulidade do processo administrativo disciplinar."

    De forma direta, esse texto parece simples. Entretanto, ao nos aprofundarmos no tema, verificamos que ele tem importantes implicações para o Direito Administrativo Disciplinar e para os direitos dos servidores públicos. 

    O objetivo deste artigo é, portanto, examinar mais detalhadamente os fundamentos dessa súmula, suas implicações práticas e as questões teóricas que ela suscita, sempre mantendo um diálogo com você, leitor, que talvez esteja se perguntando o que essa súmula realmente significa na prática.

O que é a Capitulação Legal no Processo Administrativo Disciplinar?

    Primeiramente, é importante compreendermos o conceito de capitulação legal. Em termos simples, quando falamos em capitulação legal, estamos nos referindo ao enquadramento jurídico de uma determinada conduta. No contexto de um processo administrativo disciplinar (PAD), a capitulação legal é a norma jurídica específica que a administração pública entende ter sido violada pelo servidor.

    Por exemplo, se um servidor público for acusado de abandono de cargo, a autoridade responsável pelo PAD deve enquadrar essa conduta em um artigo específico da lei, como o artigo 132, inciso III, da Lei n. 8.112/90 (para servidores federais). Isso é o que chamamos de capitulação legal da conduta: o ato infracional é vinculado a uma norma legal específica.

    Agora, imagine que, no decorrer do processo, novos fatos ou elementos surjam, levando a administração a concluir que, ao invés de abandono de cargo, a conduta melhor se enquadraria em "inassiduidade habitual", tipificada em outro artigo da mesma lei. Essa mudança no enquadramento jurídico da conduta é a chamada alteração da capitulação legal.

O que a Súmula Está Realmente Dizendo?

    A Súmula n. 672 estabelece que a alteração da capitulação legal durante o processo disciplinar, por si só, não implica nulidade do PAD. Isso significa que, se o enquadramento jurídico da conduta do servidor for alterado ao longo do processo, essa mudança não acarreta automaticamente a invalidação de todo o procedimento.

Mas, por que essa questão é importante? E o que significa na prática?

    Nos processos administrativos, as formalidades são essenciais para garantir a legitimidade do procedimento e a proteção dos direitos do acusado. Contudo, a súmula vem esclarecer que nem toda formalidade deve ser vista de maneira rígida. 

    Alterações na capitulação legal podem ser naturais no decorrer do processo, à medida que os fatos são mais bem apurados e compreendidos.

O Devido Processo Legal e a Importância do Contraditório e Ampla Defesa

    O princípio fundamental que norteia qualquer processo administrativo disciplinar é o devido processo legal, do qual derivam outros princípios basilares como o contraditório e a ampla defesa. Esses princípios estão consagrados no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal de 1988.

    Então, a pergunta que pode surgir é: como se concilia a alteração da capitulação legal com o respeito a esses princípios?

    A súmula deixa claro que a mudança no enquadramento jurídico, por si só, não constitui violação ao devido processo legal. No entanto, isso não significa que a administração pública pode realizar essa alteração de forma arbitrária, sem assegurar o direito de defesa do servidor. 

    A alteração é permitida, desde que o servidor seja notificado adequadamente sobre a nova imputação e tenha a oportunidade de se defender frente a essa nova acusação.

    Esse aspecto é essencial: o que a súmula afirma é que o simples ato de reclassificar juridicamente a conduta do servidor não é, por si só, causa de nulidade. Todavia, o PAD continuará nulo se essa alteração for feita sem o devido respeito aos direitos fundamentais do servidor, especialmente seu direito de defesa. 

    Portanto, é necessário sempre que o servidor tenha a oportunidade de se manifestar, apresentar provas, testemunhas e, se necessário, contestar o novo enquadramento legal.

O Princípio da Instrumentalidade das Formas

    Aqui, vale a pena introduzir o conceito do princípio da instrumentalidade das formas. Esse princípio prega que a forma processual é um meio, e não um fim em si mesma. Ou seja, as formalidades processuais existem para assegurar a correta apuração dos fatos e a proteção dos direitos das partes, mas elas não devem servir para invalidar todo um procedimento quando não há prejuízo à defesa ou ao resultado final.

    O que o STJ busca com a Súmula 672 é justamente evitar que vícios formais, como a alteração da capitulação legal, possam anular processos administrativos bem instruídos e conduzidos, desde que essa modificação não tenha prejudicado o exercício da defesa pelo servidor. 

    Em outras palavras, se a alteração da capitulação ocorre sem comprometer o contraditório e a ampla defesa, o processo deve prosseguir normalmente.

O Equilíbrio Entre Eficácia Administrativa e Garantias Constitucionais

    O processo administrativo disciplinar é uma ferramenta indispensável para que a administração pública possa investigar e sancionar condutas irregulares de seus servidores. Contudo, é necessário equilíbrio entre a eficácia administrativa e a observância das garantias constitucionais dos servidores.

    De um lado, a administração pública precisa ter a flexibilidade para, no curso da apuração, corrigir e ajustar o enquadramento jurídico dos fatos, especialmente quando a conduta inicialmente tipificada é melhor caracterizada por outro dispositivo legal. 

    Isso evita que o processo se torne rígido ou ineficaz, permitindo que o comportamento do servidor seja adequadamente apurado e sancionado.

    De outro lado, é imprescindível que essa flexibilidade não signifique prejuízo à defesa do servidor. É aqui que o entendimento da Súmula 672 adquire maior profundidade: a simples alteração da capitulação legal não pode gerar a nulidade do processo, desde que o servidor tenha plenas condições de se defender da nova imputação. Em última análise, o que se protege é o direito de defesa, e não a rigidez do enquadramento jurídico.

Impactos da Súmula n. 672 na Prática

    Na prática, a Súmula n. 672 tem um impacto significativo tanto para a administração pública quanto para os servidores. 

    Para a administração, a súmula oferece maior segurança jurídica na condução de processos administrativos disciplinares. Alterações na capitulação legal, muitas vezes inevitáveis no decorrer da instrução processual, deixam de ser temidas como potenciais causas de nulidade do processo.

Já para os servidores públicos, a súmula também oferece garantias, pois deixa claro que a simples alteração da capitulação não viola seus direitos, desde que o devido processo legal seja respeitado. 

    Nesse sentido, a defesa deve estar atenta para assegurar que toda e qualquer alteração seja devidamente comunicada, e que o servidor tenha a oportunidade de exercer sua defesa em relação à nova tipificação.

Conclusão

    A Súmula n. 672 do STJ consolida um importante entendimento para o Direito Administrativo Disciplinar, trazendo clareza e segurança jurídica aos processos administrativos. Seu principal mérito é o de balancear a necessidade de eficácia na apuração de condutas irregulares com a preservação dos direitos fundamentais dos servidores, especialmente o direito ao contraditório e à ampla defesa.

    Essa súmula não impede que o servidor seja reclassificado juridicamente, mas também não permite que isso ocorra sem as devidas garantias constitucionais. Assim, o STJ reforça a ideia de que o processo administrativo deve ser instrumento de justiça e equidade, e não um mero formalismo que, ao menor sinal de irregularidade, anule todo o procedimento, comprometendo o interesse público.

    Em suma, a Súmula 672 busca assegurar que o foco principal do processo disciplinar continue sendo a busca pela verdade e pela justiça, sem desconsiderar a necessária observância aos direitos de defesa. Isso oferece uma importante orientação tanto para a administração pública quanto para os servidores, contribuindo para um processo administrativo mais eficiente e justo.

Ação de Recalculo do Adicional Noturno: Supressão Indevida no Novo Regime de Pagamento dos Servidores Públicos Municipais de São Paulo

 Neste artigo, vamos falar sobre um tema importante para os servidores públicos municipais de São Paulo: a supressão do adicional noturno após a mudança para o regime de pagamento por subsídio. Explicarei quem tem direito a continuar recebendo esse valor e como você pode agir se ele foi cortado indevidamente.

1. O que é o Adicional Noturno?

O adicional noturno é um valor extra que os trabalhadores recebem por trabalhar entre 22h e 6h. Isso é garantido pela Constituição e visa compensar o desgaste maior de quem trabalha nesse horário. 

Em São Paulo, uma lei municipal também assegura que os servidores que trabalham à noite devem receber 25% a mais sobre o valor da hora trabalhada.

2. O Problema da Supressão do Adicional

Com a nova lei que trouxe o pagamento por subsídio para os servidores, muitos deixaram de receber o adicional noturno. A justificativa da Prefeitura foi que o subsídio já inclui todos os adicionais e gratificações. No entanto, a lei que criou o subsídio permite que alguns valores eventuais, como o adicional noturno, continuem sendo pagos.

Portanto, a supressão do adicional noturno foi indevida para quem continua trabalhando nesse horário. Mesmo com o subsídio, o adicional deve ser mantido, pois é um direito garantido pela lei e pela Constituição.

3. Quem Tem Direito de Ingressar com Ação?

Se você é um servidor público e se encaixa em alguma das situações abaixo, você pode ter direito a entrar com uma ação para recuperar o adicional noturno:

  • Trabalhava à noite e teve o adicional cortado: Se você recebia o adicional noturno antes do subsídio e ele foi cortado, mas você continuou trabalhando à noite, tem o direito de reivindicar o valor.

  • Continua trabalhando no horário noturno, mas não recebe o adicional: Se você ainda trabalha à noite e o adicional não está sendo pago, mesmo após a implementação do subsídio, você pode pedir para que ele seja retomado.

  • Já trabalhava à noite antes do subsídio: Se você tinha o adicional noturno antes da mudança e ele foi cortado, trata-se de um direito adquirido. Nesse caso, é possível entrar com ação para recuperar esse valor.

4. Fundamentos Jurídicos

O principal fundamento é o direito adquirido, previsto na Constituição, que protege benefícios que já eram recebidos antes de uma mudança na lei. Além disso, a Constituição também garante que o trabalho noturno deve ser pago com valor adicional.

Mesmo com a nova lei de subsídio, o adicional noturno continua a ser válido, pois é uma compensação pelo trabalho noturno, que deve ser pago enquanto o servidor trabalhar nesse horário.

5. Exemplo Prático com Cálculos

Vamos a um exemplo para ilustrar como calcular as diferenças do adicional noturno que foram suprimidas:

Suponha que um servidor ganhasse R$ 2.000,00 de salário base e trabalhasse 112 horas por mês no período noturno.

  • Valor da Hora-Trabalho: R$ 2.000,00 ÷ 240 horas (carga horária mensal) = R$ 8,33 por hora
  • Adicional Noturno (25%): R$ 8,33 x 25% = R$ 2,08 por hora extra

Se o servidor trabalhasse 112 horas noturnas por mês, o adicional devido seria:

  • Adicional Noturno Mensal: R$ 2,08 x 112 horas = R$ 233,28

Agora, imagine que o servidor ficou 36 meses sem receber o adicional. Nesse caso, a diferença acumulada seria:

  • Diferença Total: R$ 233,28 x 36 meses = R$ 8.398,08

Esse valor é o que o servidor teria direito de receber por conta da supressão indevida do adicional noturno.

6. Importante: Prazo para Ação

O servidor tem até cinco anos (prescrição quinquenal) para entrar com uma ação cobrando essas diferenças. Por isso, é importante reunir todos os holerites e buscar um advogado especializado para garantir que o valor seja restituído.

7. Conclusão

Se você é servidor público e teve o adicional noturno suprimido após a implementação do subsídio, ainda pode ter direito de receber esse valor. A legislação garante esse direito para quem trabalha à noite, mesmo com as mudanças no sistema de pagamento.

Execução de Créditos Trabalhistas Concursais e o Fim do Stay Period: Análise do Julgado CC 199.496-CE, do STJ

    A execução de créditos trabalhistas em processos de recuperação judicial sempre foi um tema delicado e complexo no Direito Empresarial e Processual Trabalhista. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Conflito de Competência n. 199.496-CE, sob relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, trouxe uma importante definição sobre esse tema, especialmente quanto ao esgotamento do chamado stay period e as consequências para a retomada da execução de créditos trabalhistas. 

    O entendimento do STJ esclarece como deve se dar a relação entre o juízo trabalhista e o juízo recuperacional após o término desse período.

    Antes de entrar nas implicações desse julgamento, vamos relembrar alguns conceitos essenciais, que são cruciais para compreender a decisão e seus impactos práticos.

O que é o Stay Period?

    O stay period é um conceito trazido pela Lei n. 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falências - LRF), que consiste em um período de 180 dias no qual todas as execuções contra a empresa em recuperação judicial ficam suspensas. Essa suspensão é essencial para permitir que a empresa tenha um "respiro", evitando bloqueios judiciais ou constrições patrimoniais que poderiam inviabilizar qualquer tentativa de recuperação. 

    Em outras palavras, o stay period funciona como uma proteção para a empresa, garantindo que ela possa focar na reestruturação de suas finanças e operações.

    Com a promulgação da Lei n. 14.112/2020, algumas mudanças significativas foram introduzidas no regime do stay period. Agora, o prazo pode ser prorrogado, mas apenas em circunstâncias específicas: os credores precisam aprovar essa prorrogação ou apresentar um plano de recuperação alternativo. Se isso não acontecer, o stay period expira, e as execuções, inclusive as trabalhistas, podem ser retomadas.

A Questão Central do Julgado: 

O que acontece quando o Stay Period termina?

    O ponto central discutido no julgamento do CC 199.496-CE foi justamente o que acontece com as execuções de créditos trabalhistas concursais após o fim do stay period, quando não há deliberação dos credores sobre o plano de recuperação judicial. Nesse caso, a execução deve continuar na Justiça do Trabalho, ou permanece sob a alçada do juízo da recuperação?

    O STJ foi bastante claro ao afirmar que, esgotado o período de blindagem (stay period), sem que tenha havido prorrogação aprovada pelos credores ou apresentação de um plano de recuperação judicial alternativo, as execuções de créditos concursais, inclusive os trabalhistas, podem prosseguir no âmbito da Justiça do Trabalho.

    Essa decisão é de grande importância prática. Ela deixa evidente que o stay period tem um prazo limite. Caso não haja prorrogação ou uma decisão específica do juízo da recuperação judicial, a Justiça do Trabalho pode retomar a execução dos créditos trabalhistas que ficaram suspensos. 

Isso evita que esses créditos fiquem indefinidamente "paralisados", aguardando uma movimentação no processo de recuperação judicial que pode nunca ocorrer.

    O Papel dos Credores e a Prorrogação do Stay Period

    Um ponto interessante que o STJ destacou foi o papel ativo que os credores precisam desempenhar. A Lei n. 14.112/2020 trouxe a possibilidade de prorrogação do stay period, mas essa prorrogação não é automática e nem depende apenas da vontade da empresa em recuperação. 

    Para que o stay period seja estendido, os credores devem aprovar essa extensão ou apresentar um plano alternativo dentro de um prazo de 30 dias após o término do período original.

    Se os credores não tomarem essa iniciativa, as execuções podem ser retomadas. Isso é uma mudança importante, pois coloca os credores em uma posição mais ativa e determina que, se eles não se manifestarem, as execuções seguem seu curso normal. 

    O que o STJ sinaliza aqui é que o processo de recuperação judicial não pode ser utilizado para "congelar" indefinidamente as obrigações da empresa em relação aos seus credores, especialmente aos trabalhadores.

A Retomada da Execução Trabalhista: Competência da Justiça do Trabalho

   Com o término do stay period, o STJ reforçou que a Justiça do Trabalho retoma sua competência para executar os créditos trabalhistas concursais. Isso significa, na prática, que o trabalhador, que já tem uma sentença judicial reconhecendo o seu direito a um crédito, não precisa continuar esperando indefinidamente.

    Uma vez que o prazo de blindagem expirou, o trabalhador pode buscar a satisfação de seu crédito diretamente na Justiça do Trabalho.

    No entanto, há uma exceção importante: se, no curso da recuperação judicial, a assembleia de credores aprovar um plano de recuperação e este for homologado pelo juízo recuperacional, ocorre a novação dos créditos concursais, o que implica na extinção das execuções desses créditos. Nesse caso, o crédito do trabalhador será pago conforme os termos acordados no plano de recuperação, interferindo na forma e no prazo de pagamento dos créditos trabalhistas.

    Exemplo prático: Imagine que uma empresa entrou em recuperação judicial e, como parte desse processo, os créditos trabalhistas ficaram suspensos por 180 dias durante o stay period. Um trabalhador, com crédito já reconhecido pela Justiça do Trabalho, viu sua execução temporariamente interrompida. O objetivo dessa suspensão era proporcionar à empresa tempo para negociar um plano de recuperação.

    Agora, suponhamos que esse stay period chegou ao fim, sem que os credores tenham aprovado um plano de recuperação ou prorrogado o prazo.

 O que acontece? Com base no entendimento do STJ, a execução trabalhista pode ser retomada na Justiça do Trabalho. Ou seja, o trabalhador não precisa mais esperar indefinidamente. Ele pode buscar o pagamento de seu crédito, e a Justiça do Trabalho pode adotar medidas como bloqueio de contas ou penhora de bens, para garantir a satisfação do crédito.


Consequências Práticas para Empresas e Credores

    Esse julgamento do STJ tem um impacto direto tanto para as empresas em recuperação quanto para os credores, especialmente os trabalhadores. Para as empresas, ele é um alerta de que não basta simplesmente entrar com um pedido de recuperação judicial para se livrar temporariamente das execuções. 

    Se não houver uma deliberação rápida dos credores sobre o plano de recuperação, as execuções serão retomadas. A empresa, portanto, precisa agir com diligência para obter a aprovação de um plano e evitar a reativação das execuções judiciais.

    Para os credores, em especial os trabalhadores, a decisão reforça a proteção de seus direitos. Eles não ficarão indefinidamente à mercê do processo de recuperação. Se não houver uma solução negociada dentro do prazo legal, eles podem buscar a satisfação de seus créditos por meio da Justiça do Trabalho. Isso é particularmente relevante para trabalhadores, que, em geral, dependem dos valores devidos pela empresa para sua subsistência.

Conclusão

    O julgamento do STJ no CC 199.496-CE reafirma o papel da Justiça do Trabalho na proteção dos créditos trabalhistas concursais, especialmente após o término do stay period. A decisão traz mais segurança jurídica, tanto para as empresas quanto para os credores, ao delimitar claramente os efeitos temporais do stay period e as consequências de sua expiração. 

    Em suma, se o prazo de blindagem se esgota sem deliberação dos credores sobre um plano de recuperação, a Justiça do Trabalho retoma sua competência para executar os créditos trabalhistas, garantindo que os direitos dos trabalhadores sejam preservados.

    Essa decisão, portanto, equilibra os interesses de recuperação da empresa com a necessidade de proteger os direitos dos credores, especialmente os trabalhistas, que, em última análise, dependem da agilidade e efetividade do processo judicial para verem seus créditos satisfeitos.

16/09/2024

Partilha de Bens Imóveis entre Herdeiros: Entenda a Extinção de Condomínio


 
Sabe o que é Ação de Extinção de Condomínio entre Herdeiros? Não é o que você está pensando…

Quando ouvimos a palavra "condomínio", a primeira coisa que vem à mente é aquele prédio com vizinhos barulhentos, síndico mal-humorado e assembleias intermináveis, certo?

 Pois bem, no mundo jurídico, o termo "condomínio" pode ter um significado bem diferente, especialmente quando envolve herança. Não estamos falando de vagas de garagem disputadas ou do salão de festas, mas sim de um condomínio em que os coproprietários não escolheram morar juntos... eles herdaram essa "parceria"!

    A "ação de extinção de condomínio" entre herdeiros acontece quando vários coerdeiros, após o falecimento de um parente, compartilham a propriedade de um bem – geralmente um imóvel. Pense nisso como uma espécie de sociedade forçada, onde ninguém realmente pediu para ser sócio. 

    E diferente de um condomínio tradicional, aqui não há eleição de síndico ou taxas mensais (embora, às vezes, alguns herdeiros fiquem sozinhos com as despesas de manutenção!). Na verdade, este condomínio é a copropriedade de um bem indivisível, e todos os herdeiros têm um pedaço dele, quer eles gostem ou não.

    Então, se você pensou que esse tipo de condomínio envolvia elevadores e regras da piscina, pode relaxar – o que estamos falando aqui é sobre imóveis herdados que precisam ser resolvidos quando a família não consegue chegar a um consenso. E, quando isso acontece, a solução pode ser justamente a extinção desse condomínio. Afinal, manter um imóvel herdado junto com vários familiares nem sempre é tão "harmonioso" quanto parece!

    Como esse tipo de condomínio é formado? – Uma herança e muitos donos

    Quando uma pessoa falece, além de deixar saudades, ela também pode deixar um “presente” bem peculiar: a famosa massa hereditária, que nada mais é do que todo o patrimônio que será repartido entre os herdeiros. A partir desse momento, o Código Civil entra em ação como um maestro, determinando que, assim que a sucessão é aberta (ou seja, após o falecimento), a herança é automaticamente transmitida para os herdeiros legítimos e testamentários, conforme os artigos 1.784 e 1.791. O que isso significa na prática? Todos os herdeiros viram coproprietários de tudo, ainda que ninguém tenha ideia de como lidar com isso. Bem-vindo ao condomínio hereditário!

    Porém, até que a partilha oficial seja realizada (ou seja, até o famoso “papel assinado”), o bem continua a pertencer a todos os herdeiros de forma conjunta. Sim, todos são donos de tudo, mas ao mesmo tempo, ninguém pode fazer muita coisa sozinho. Imagine isso como uma festa onde todo mundo trouxe um pedaço do bolo, mas ninguém consegue cortar porque não tem consenso sobre quem ficará com o maior pedaço. E é aí que os conflitos começam...

    Uns herdeiros querem vender o imóvel e repartir o dinheiro rapidamente, como quem divide uma pizza; outros preferem manter o patrimônio e deixar para os netos, como se fosse um investimento a longo prazo. E, claro, sempre tem aquele que já está morando no imóvel e nem pensa em sair, sem contribuir para as despesas de manutenção. O resultado? Um verdadeiro "arranca-rabo" familiar. Afinal, nada como um imóvel herdado para testar os limites do amor fraternal!

    Essa indivisão não só dificulta o uso do bem, mas também pode gerar atritos sérios entre os coproprietários, especialmente quando os custos de manutenção começam a cair nas costas de um ou dois herdeiros. 

    Quem nunca ouviu falar de uma briga familiar por causa de uma herança? Pois é, o condomínio hereditário pode transformar o que era para ser um bem em comum em uma verdadeira bomba-relógio de discórdias.

E quando há divergências? O que fazer? – Chamem o juiz, porque o clima esquentou!

    É nos momentos de divergência que a festa realmente começa. Imagine a cena: alguns herdeiros querem vender o imóvel, outros preferem segurá-lo e talvez até um deles esteja "morando de graça" no bem. O resultado? Um impasse que pode durar anos, se ninguém tomar uma atitude. Mas não se preocupe, é exatamente aqui que entra a ação de extinção de condomínio

    Quando a conversa não flui e os herdeiros não chegam a um consenso sobre o destino do bem, a solução é partir para a judicialização. É como chamar o juiz para interromper a briga e dar uma solução definitiva: a venda forçada do imóvel, com o valor repartido proporcionalmente entre todos os herdeiros. Simples, né?

    O Código Civil é bem claro nesse ponto. Ele estabelece que qualquer condômino pode, a qualquer momento, exigir a divisão do bem comum. Isso está lá no artigo 1.320, e não tem desculpa: seja um herdeiro com 90% do imóvel ou um que só herdou uma pequenina fração, todos têm o direito de pedir a extinção desse condomínio. Ou seja, mesmo que um herdeiro tenha só "um tijolinho" do imóvel, ele pode acionar a Justiça e pedir que o bem seja vendido, dissolvendo essa complexa teia de copropriedade.

    Portanto, quando o "bate-boca" entre herdeiros não resolve, é hora de deixar a decisão com o juiz. Afinal, nada como uma boa sentença para acalmar os ânimos e resolver o destino daquele imóvel herdado que parecia impossível de ser dividido de forma amigável.

Exemplo prático – O caso das irmãs que discordavam

    Para ilustrar como isso funciona na prática, vamos usar um exemplo real de um julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). 

    Imagine a situação: duas irmãs, Sandra e Marta, herdaram um imóvel após o falecimento de seu pai. No entanto, Paula, a viúva, também tinha o direito de habitação sobre o imóvel, uma vez que a casa era sua residência familiar. Marta queria vender o imóvel e dividir o valor entre todos os herdeiros, mas Sandra discordava, alegando que o direito de habitação da madrasta Paula impediria a venda. Como era de se esperar, o diálogo entre elas foi quebrado e o caso acabou na Justiça​.

    O juiz, ao analisar o caso, decidiu que o fato de Paula ter o direito real de habitação não impedia a venda do imóvel. Esse direito afetava apenas o uso do bem, garantindo que Paula poderia continuar a morar na casa, mesmo que fosse vendida. Ou seja, o novo proprietário teria que respeitar esse direito, mas a venda era possível. Com isso, foi determinada a extinção do condomínio e a alienação judicial do imóvel, garantindo que o valor da venda fosse repartido entre as irmãs, respeitando as frações de cada uma​.

    Esse exemplo prático ilustra bem como o direito de extinção de condomínio pode ser uma solução para resolver impasses familiares, mesmo em situações em que outros direitos, como o de habitação, estão envolvidos. Quando não há acordo, o processo judicial pode ser a única forma de garantir que todos os herdeiros recebam sua parte, de forma justa e equilibrada.


O direito de preferência e a alienação judicial – Quem dá mais?!

    Antes de qualquer venda a terceiros, existe uma regra básica nesse jogo: o direito de preferência. Esse é o momento em que um dos herdeiros pode se adiantar e dizer: "Espera aí, deixa que eu compro a parte de vocês!". É como aquela cena no cinema em que alguém se levanta antes de todos e grita "Eu fico com o último pedaço!" — só que, nesse caso, o "pedaço" é a parte do imóvel herdado.

    Mas nem sempre esse final feliz acontece. Quando os herdeiros não conseguem entrar em um acordo ou aquele que quer comprar não tem o bolso tão cheio assim, o próximo passo é a alienação judicial

    Aí o negócio é levado a público, literalmente. Isso significa que o imóvel pode ir para o famoso leilão (hasta pública), onde quem der o maior lance leva o bem. Imagina só, a propriedade da família sendo arrematada como um item raro, com direito a lances e aquele friozinho na barriga de quem será o vencedor!

    Agora, se você pensa que a extinção do condomínio sempre acaba nessa tensão de leilão, nem sempre é o caso. Se todos os herdeiros estão em sintonia e decidem vender amigavelmente, o processo pode ser resolvido de forma extrajudicial, economizando tempo, dinheiro e, claro, evitando alguns bons capítulos de drama familiar.

    Entretanto, quando não há acordo, o destino é mesmo a via judicial. O juiz, no papel de mediador, até tenta uma conciliação no início – quem sabe ainda haja uma chance de fechar o negócio entre os próprios herdeiros. Mas se ninguém ceder, ele determinará a venda do bem, garantindo que ninguém saia prejudicado. No fim das contas, "é o juiz quem dá o apito final", respeitando os direitos de todos os coproprietários, mesmo que seja através do martelo de um leiloeiro!

Conflitos com o direito de habitação – Quando a herança tem um "inquilino" vitalício!

    Às vezes, a situação da extinção de condomínio entre herdeiros pode ficar um pouco mais "pitoresca", especialmente quando o cônjuge sobrevivente entra na equação com o chamado direito real de habitação. Isso significa que, mesmo após o falecimento do proprietário, o cônjuge que ficou viúvo tem o direito de continuar morando no imóvel, conforme o artigo 1.831 do Código Civil. É como se ele ganhasse o status de inquilino vitalício, sem precisar pagar aluguel, claro!

    Mas, não pense que esse direito cria uma muralha intransponível em torno do imóvel. Nada disso! Mesmo que o cônjuge sobrevivente continue desfrutando do seu "cantinho", o imóvel ainda pode ser vendido. A diferença é que o eventual comprador terá que aceitar o pacote completo: a casa e o morador. Imagine a cena: você compra um imóvel e, de brinde, ganha a companhia de um inquilino de longa data, que tem o direito de permanecer por lá enquanto quiser (ou puder).

    Ou seja, a venda pode ocorrer normalmente, mas o novo proprietário não poderá mandar o cônjuge fazer as malas. Ele terá que respeitar esse direito de moradia, que foi reconhecido judicialmente. 

    Então, na prática, o comprador pode ter uma casa, mas terá que esperar um bom tempo até poder desfrutá-la por completo. Afinal, o direito de habitação é uma proteção ao cônjuge para garantir que ele continue vivendo dignamente, mesmo que o restante dos herdeiros decida partir para a venda do bem.

    Nessa confusão toda, o cônjuge sobrevivente se torna quase um "síndico" eterno do bem, e o novo dono precisa estar ciente de que, além de um lar, está adquirindo uma boa dose de paciência. E, claro, esse tipo de situação pode transformar a negociação do imóvel em uma verdadeira obra de novela – com direito a reviravoltas e um elenco nada modesto!

Conclusão – Extinção de condomínio: Quando dividir não é tão simples quanto cortar um bolo!

    A ação de extinção de condomínio entre herdeiros é uma verdadeira ferramenta mágica do mundo jurídico. Ela entra em cena justamente quando o "bicho pega" entre os herdeiros que não conseguem chegar a um consenso sobre o que fazer com o imóvel herdado. Pense nela como o juiz em uma partida de futebol acirrada: quando os times não conseguem se entender, o apito final vem para garantir que as regras do jogo sejam respeitadas.

    Agora, se você pensa que essa ação é simples, do tipo "vende-se e pronto", está muito enganado. Por trás dessa aparente simplicidade, há uma trama cheia de reviravoltas dignas de uma novela das nove. Direitos de propriedade, direitos de habitação, preferências, avaliações judiciais.

    Tudo isso pode transformar o que parecia uma solução rápida em um verdadeiro quebra-cabeça jurídico. E, claro, cada herdeiro tem suas peças, mas nem sempre elas se encaixam com as dos outros!

    Por isso, antes de sair distribuindo o patrimônio como se fosse um pedaço de bolo em festa de aniversário, é fundamental contar com o auxílio de profissionais capacitados. 

    Em resumo, resolver esses litígios não é tão fácil quanto parece. Pode até parecer que o fim da disputa está a um passo, mas só com análise jurídica cuidadosa e orientação especializada é que essa receita vai dar certo. Portanto, quando se trata de dividir um imóvel herdado, mais vale um bom advogado na mão do que uma briga de herdeiros voando!


Escrito por Luiz Fernando Pereira - Advogado.


Consulte sempre um advogado!




Luiz Fernando Pereira

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12/09/2024

Empresa Deve Indenizar Trabalhadora por Acidente com Agulha: Responsabilidade Objetiva e Proteção ao Empregado

 


A responsabilidade das empresas em casos de acidentes de trabalho é um tema de grande relevância, especialmente quando envolve a integridade física e mental dos empregados.

 Recentemente, a 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região proferiu uma decisão que reforça a importância da proteção ao trabalhador, determinando o pagamento de indenização por danos morais a uma auxiliar de enfermagem que acidentalmente se feriu com uma agulha utilizada na coleta de sangue de um paciente.

O contexto do acidente e suas consequências

    No caso em questão, a auxiliar de enfermagem furou o dedo acidentalmente enquanto realizava uma coleta de sangue. 

    Embora a trabalhadora não tenha sido contaminada por nenhuma doença, ela precisou se submeter a uma série de exames e tratamentos preventivos, o que gerou sérios efeitos colaterais, como queda de cabelo, distúrbios intestinais, crises de ansiedade e depressão. Além dos impactos físicos, o episódio abalou seu psicológico, principalmente devido ao medo de uma possível contaminação.

    A situação também afetou a vida pessoal da profissional, que, por precaução, adotou diversas restrições íntimas em seu relacionamento com o cônjuge, ocasionando desconfiança e gerando uma crise no casamento. Esses detalhes ressaltam o quanto um acidente aparentemente simples pode desencadear uma série de eventos traumáticos para o trabalhador, tanto no aspecto físico quanto no emocional.

A defesa do laboratório e a responsabilização objetiva

    Diante da ação trabalhista, o laboratório argumentou que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da auxiliar de enfermagem, alegando que o evento foi fruto de um "ato de descuido" por parte da profissional. No entanto, a desembargadora-relatora Ana Maria Moraes Barbosa Macedo discordou dessa tese, afirmando que não havia provas suficientes para demonstrar a culpa exclusiva da trabalhadora.

    A magistrada destacou que, considerando a natureza das atividades desenvolvidas pela auxiliar, a empresa deve ser responsabilizada de forma objetiva, uma vez que a atividade desempenhada por ela a expõe, naturalmente, a riscos maiores. Isso significa que, independentemente da comprovação de culpa direta do empregador, a reclamada é responsável pelos danos sofridos pela trabalhadora, pois ela estava envolvida em uma atividade de risco.

    Esse entendimento está embasado no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, que prevê a responsabilidade objetiva quando a atividade desenvolvida, por sua natureza, implica em risco para os direitos de terceiros. A decisão também reforça o princípio da proteção à saúde e à segurança do trabalhador, um dos pilares do Direito do Trabalho.

A indenização por danos morais e sua justificativa

    O Tribunal, ao reformar a decisão de primeira instância, entendeu que o sofrimento experimentado pela auxiliar de enfermagem foi real e significativo, justificando a condenação da empresa ao pagamento de R$ 20 mil por danos morais. Para a relatora, o fato de a trabalhadora não ter sido contaminada por uma doença não afasta o risco que ela correu, nem minimiza o abalo psicológico que sofreu.

    A decisão deixa claro que a responsabilidade do empregador vai além da prevenção de acidentes. Mesmo com o uso de equipamentos de proteção individual, como as luvas, o risco à saúde do trabalhador é inerente a determinadas atividades, e a empresa tem o dever de mitigar esses riscos e, caso o acidente ocorra, de indenizar os prejuízos causados.

Conclusão: A importância de um ambiente de trabalho seguro

    Este caso ressalta a importância de um ambiente de trabalho seguro e o dever das empresas em zelar pela integridade física e mental de seus empregados. A responsabilização objetiva em atividades de risco, como as realizadas por profissionais da saúde, é uma forma de garantir que, mesmo em situações onde não há dolo ou culpa direta, o trabalhador não seja deixado desamparado.

    Além disso, a decisão do TRT da 2ª Região também chama a atenção para os impactos emocionais e psicológicos que um acidente de trabalho pode causar, ampliando o entendimento sobre o que deve ser considerado na concessão de indenizações por danos morais.

    Se você é empregador, vale refletir: sua empresa tem tomado todas as medidas necessárias para garantir a segurança de seus empregados? Esse cuidado não é apenas uma obrigação legal, mas uma forma de assegurar que, em situações adversas, sua empresa não esteja sujeita a decisões judiciais que, além do ônus financeiro, afetam sua reputação.

Essa decisão exemplifica o compromisso da Justiça do Trabalho em resguardar a dignidade e a saúde do trabalhador, reafirmando que todo acidente de trabalho deve ser tratado com a devida seriedade e atenção.


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Luiz Fernando Pereira - Advocacia

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Transfusão de Sangue e Testemunhas de Jeová: STF entre a Fé e o Estado — Um Julgamento de Vida e de Crença

     O Supremo Tribunal Federal (STF) tomou  uma decisão histórica que envolve um tema sensível: a recusa de transfusões de sangue por motiv...

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