A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que o juiz que conduz o processo não pode ser punido com a multa prevista para os casos de ato atentatório ao exercício da jurisdição, prevista no parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil de 1973 (parágrafo segundo do artigo 77 do CPC/2015).
Para o colegiado, se o juiz atentar contra os princípios da probidade, boa-fé e lealdade, deverá ser investigado e punido nos termos previstos pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35/1979).
A controvérsia envolveu a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), que, junto com uma juíza, impetrou mandado de segurança contra ato de desembargador que aplicou a multa prevista no CPC em desfavor da magistrada.
Ao despachar em um processo, a juíza determinou que o autor juntasse cópias autenticadas de documentos e a procuração original. O desembargador, julgando recurso contra essa decisão, dispensou a apresentação dos originais. A juíza insistiu na necessidade dos documentos originais, a parte recorreu de novo, e o desembargador aplicou a multa contra a magistrada.
Impetrado o mandado de segurança, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entendeu ser inaplicável a multa imposta à juíza, destacando que eventual ato atentatório à jurisdição que viesse a ser praticado por magistrado deveria ser apurado em procedimento administrativo ou judicial pelos respectivos órgãos competentes.
Ao impugnar o acórdão no recurso apresentado ao STJ, o desembargador alegou que o descumprimento da ordem judicial não está abarcado pela proteção à independência jurisdicional, sendo o fundamento insubsistente para afastar a aplicação do artigo 14 do CPC/1973 aos magistrados na condução do processo.
Princípios
Para o relator na Quarta Turma, ministro Luis Felipe Salomão, a probidade e a retidão das ações devem direcionar todos os que participam ou intervêm do processo judicial. “É unânime a doutrina em afirmar que o dever de pautar suas ações pela probidade e lealdade tem como destinatário não somente as partes, mas também os advogados, a Fazenda, o Ministério Público, os auxiliares da Justiça de todas as classes e, finalmente, o juiz da causa, como não poderia deixar de ser”, afirmou.
Salomão ressaltou que o parágrafo único do artigo 14, em consonância com o inciso V, permite somente uma interpretação: a de que “o dever de agir com lealdade e boa-fé é de todos que atuam no processo, direta ou indiretamente”.
Todavia, segundo o relator, a multa prevista no CPC não pode ser aplicada ao juiz, pois a investigação de condutas contrárias aos princípios que regem o exercício do cargo deve se dar conforme a legislação específica da carreira.
“Penso que os juízes deverão sempre conduzir suas ações pelos princípios da probidade, boa-fé e lealdade, mas a ele não se destina a multa prevista no parágrafo único do artigo 14 do CPC/1973, e a investigação das condutas praticadas em desconformidade com aqueles vetores será realizada nos termos da Lei Orgânica da Magistratura”, afirmou.
Conduta reprovável
Salomão ressaltou que a conduta de qualquer pessoa que falte com o dever de verdade, seja desleal e empregue artifícios fraudulentos é absolutamente reprovável, “simplesmente porque tal conduta não se compadece com a dignidade de instrumento desenvolvido pelo Estado para atuação do direito e realização da justiça”.
No entanto, o ministro ressalvou que o dever de agir no processo com lealdade e boa-fé não conduz necessariamente à conclusão de que aquele que tumultuar o processo, atentando contra a dignidade da Justiça, será sempre repreendido nos moldes do CPC.
“Malgrado seja lastimável que o juiz possa cogitar de praticar condutas deste jaez – por qualquer modo embaraçando a marcha processual ou descumprindo comandos de instâncias superiores, inclusive os precedentes vinculantes –, a verdade é que há atores do processo que, agindo de maneira distante da lealdade e probidade, deverão ser responsabilizados de acordo com os estatuto de regência da categoria a que pertencer, cuja função é justamente apreciar a conduta ética empregada no exercício da profissão, caso dos advogados, membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos magistrados”, frisou.
Mandado individual
Acompanhando o voto do ministro Salomão, a Quarta Turma deu parcial provimento ao recurso, apenas para afastar do acórdão do TJRS o dispositivo que lhe atribuiu efeito ultra partes e erga omnes, já que os outros magistrados associados à Ajuris não foram alvo da decisão.
Para o relator, um dos argumentos do mandado de segurança – a preservação das garantias constitucionais da magistratura, especialmente a independência funcional – não poderia por si só transformar o pedido em instrumento coletivo de defesa de direitos.
“É de se reconhecer que o mandado de segurança impetrado na origem tem natureza individual e seus efeitos devem estar circunscritos à esfera individual”, destacou, comentando que a Ajuris, na verdade, funcionou no caso como assistente da juíza impetrante.
Fonte:STJ
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