Imagine a
seguinte situação: João e Maria conviveram maritalmente, sendo que durante esta
relação adquiriram um imóvel conjuntamente.
Ocorre que,
devido ao desgaste da relação ambos decidem se divorciar e em comum acordo
decidem consignar que, numa eventual venda do imóvel, cada um terá o direito do
percentual de 50% sobre o bem.
Realizada a
homologação do divórcio João continuou a residir no imóvel, até que se efetive
a sua venda. Em decorrência desta situação, Maria teve que alugar outro imóvel
para residir.
Trata-se de caso
muito comum que, após a separação obviamente o convívio entre o casal não é
mais o mesmo, podendo gerar desgastes, inclusive, uma desproporção financeira,
pois, aquele que ficou residindo no imóvel levou mais vantagem, tendo em vista
que não pagará o aluguel, porém, aquele que teve que sair do imóvel se viu obrigado
a alugar outro imóvel para poder morar.
Diante de
situação como esta que a ação de arbitramento de alugueis tem por intuito de
restaurar a justiça na prática em favor daquele que se viu obrigado a pagar
aluguel em outro imóvel para poder viver, podendo o prejudicado ser cônjuge,
companheiro na relação de união estável e, até mesmo parente na partilha de
determinado inventário.
O fundamento
legal para a propositura da ação de arbitramento de aluguéis encontra-se
amparada por diversos dispositivos legais do Código Civil de 2002. Vejamos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se
enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o que indevidamente
auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Art. 1.314. Cada condômino pode usar da
coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis
com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a
respectiva parte ideal, ou gravá-la.
Art. 1.319. Cada condômino responde aos
outros pelos frutos que percebeu da coisa e pelo dano que lhe causou.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver
por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a
coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em
que foi exigido.
Art. 1.791. A herança defere-se como um todo
unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.
É forçoso
compreender a interpretação do texto legal conjuntamente, pois, se qualquer
pessoa que estiver no imóvel (cônjuge, companheiro, herdeiro) terá que pagar o
aluguel à outra parte que possui o direito da fração do imóvel, sob pena de
enriquecimento indevido.
O Superior
Tribunal de Justiça aplicou os dispositivos legais na prática, quanto à
possibilidade de arbitramento do aluguel:
RECURSO
ESPECIAL - FAMÍLIA - SEPARAÇÃO LITIGIOSA - PARTILHA - AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE
ARBITRAMENTO DE ALUGUEL - IMÓVEL COMUM UTILIZADO POR APENAS UM DOS CÔNJUGES -
POSSIBILIDADE - DIREITO DE INDENIZAÇÃO - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL DEMONSTRADO -
RECURSO PROVIDO. - Conforme jurisprudência pacífica desta Corte, a circunstância de ter permanecido o imóvel
comum na posse exclusiva da varoa, mesmo após a separação judicial e a partilha
de bens, possibilita o ajuizamento de ação de arbitramento de aluguel pelo
cônjuge afastado do lar conjugal e coproprietário do imóvel, visando à
percepção de aluguéis do outro consorte, que serão devidos a partir da citação.
- Precedentes. - Recurso provido para reconhecer o direito do recorrente à
percepção de aluguel de sua ex consorte, vez que na posse exclusiva do imóvel
comum, a partir da data da citação, na proporção do seu quinhão estabelecido na
sentença[1].
Em outro julgado,
versou sobre a possibilidade de
arbitramento de aluguel entre herdeiros:
ARBITRAMENTO
DE ALUGUEL. USO EXCLUSIVO DO BEM POR HERDEIRA. Termo inicial. - Aquele que
ocupa exclusivamente imóvel deixado pelo falecido deverá pagar aos demais
herdeiros valores a título de aluguel proporcional, quando demonstrada oposição
à sua ocupação exclusiva...-Nesta hipótese, o termo inicial para o pagamento
dos valores deve coincidir com a efetiva oposição, judicial ou extrajudicial,
dos demais herdeiros[2].
Quando se gera o direito ao arbitramento de
aluguel?
A indenização
pelo uso de bem comum somente passa a ser devida no momento em que o ex-cônjuge ou herdeiro, na posse direta do imóvel, passa a ter ciência inequívoca da
discordância do outro condômino quanto à fruição exclusiva, uma vez que, em
momento anterior, há apenas comodato tácito entre as partes.
Elementos
indispensáveis para o arbitramento de aluguel:
Posse,
Uso e Fruição Exclusiva do imóvel.
Qual o marco inicial para pagamento dos
aluguéis?
O termo inicial
da obrigação ao pagamento dos aluguéis é a partir
da data da citação e não sobre a ocupação exclusiva ou do divórcio.
Em relação à
citação, é o ato que a parte do processo estará ciente da existência do
processo judicial.
Compartilharemos
um ponto interessante na prática, pois a contagem do prazo também poderá
iniciar-se a partir que a parte recebeu uma notificação extrajudicial com o
objetivo do autor em exigir sobre os alugueis.
Podemos
elencar tais pontos, como:
1)
A
partir da notificação extrajudicial de cobrança;
2)
A
partir da citação, no qual a ré tem conhecimento do processo contra si.
Portanto,
identificada por meio de documento a inequívoca do bem ou da cota parte de cada
ex-conjuge ou dos herdeiros, é permitido exigir do outro a parcela correspondente
à metade do valor apurado a titulo de aluguel mensal.
Como são
arbitrados os valores dos aluguéis?
O arbitramento
dos valores dos alugueis serão conforme os índices usuais do mercado
imobiliário em seu valor estimado, sendo partilhados proporcionalmente de acordo com o seu quinhão. Por exemplo, se
são dois coproprietários, a outra parte será em 50% (cinquenta) sobre o valor
do aluguel.
Por outro
lado, se não houver um padrão específico, será realizada a avaliação do valor
do imóvel para estabelecer o valor locativo em favor da parte que não usufruiu,
no qual será realizada por meio de liquidação de sentença.
Qual prazo prescricional para mover ação de
arbitramento de aluguéis?
Nas ações judicias
que versem sobre a reparação civil, o prazo prescricional é de 03 (três) anos,
contados a partir da violação do direito (art. 206, § 3º , CC ).
Além disso, o
Código Civil de 2002 estabelece que prescreve em três anos "a pretensão relativa a aluguéis de prédios
urbanos ou rústicos" (art. 206 , § 3º , I , do Código Civil ).
O início do
prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da
exigibilidade do direito subjetivo, tendo início a partir da divisão do imóvel,
após a efetiva oposição, judicial ou extrajudicial, dos demais herdeiros ou do
divórcio.
Qual a solução para se evitar ação de
arbitramento de aluguel?
Num primeiro
momento, recomenda-se que seja elaborada uma autorização por escrito (leia-se contrato de usufruto) juntamente
com aquele que tem direito ao percentual do bem imóvel, evitando, assim ações
judiciais de arbitramento de aluguéis.
Certamente, se
o problema for relacionado ao imóvel o ideal será desvincular a relação da
copropriedade por meio da venda do imóvel ou mesmo alugar para terceiros, no
entanto, se não houver solução, o caminho será um acordo por escrito entre as
partes, conforme mencionado anteriormente.
E na hipótese do cônjuge ter sofrido
violência doméstica, é possível o arbitramento de aluguel neste caso?
Segundo decisão
recentíssima do Superior Tribunal de Justiça, é incabível o arbitramento de
aluguel em desfavor da coproprietária vítima de violência doméstica que, em
razão de medida protetiva de urgência decretada judicialmente, detém o uso e
gozo exclusivo do imóvel de cotitularidade.
Na recente
decisão, a Corte entendeu não ser possível o arbitramento de aluguéis em
situações de violência doméstica, pois serviria como desestímulo a que a mulher
buscasse amparo do Estado para rechaçar a violência promovida pelo companheiro[3].
Ex-companheiro que mora com filho (a) no
imóvel comum não é obrigado a pagar aluguéis à ex-mulher?
O STJ também se debruçou sobre esta indagação ao impedir que sejam
arbitrados os aluguéis contra o ex-marido que mora com a filha comum na casa comprada
por ambos e submetida à partilha no divórcio.
Em
regra, o uso exclusivo por um dos ex-cônjuges autoriza que aquele que for
privado de usá-lo reivindique, a título de indenização, a parcela proporcional
de sua cota sobre a renda de um aluguel presumido, nos termos dos artigos 1.319
e 1.326 do Código Civil.
No entanto, o fundamento para a referida decisão o relator Ministro
Luis Felipe Salomão entendeu tratar se de custeio de despesa dos filhos, pois
os genitores devem custear as despesas dos filhos menores como moradia,
alimentação, educação e saúde, entre outras – dever que não se desfaz com o
término do vínculo conjugal ou da união estável[4].
A decisão certamente pode ser um “banho de água fria” para quem tem um
imóvel em copropriedade, mas a recomendação será o desmembramento e a
consequente venda do imóvel.
Entretanto, se o filho (a) for maior de idade, entendemos que não
haveria nenhum impeditivo para o arbitramento dos aluguéis. A jurisprudência
corrobora o entendimento neste sentido:
O ex-cônjuge
que ocupa com exclusividade o imóvel comum deve aluguel ao coproprietário. O fato de ser habitado também pela filha
maior do casal não afasta a indenização, mormente porque não comprovada a
fixação de alimentos in natura na demanda respectiva[5].
[1]
STJ - REsp: 673118 RS 2004/0088066-2, Relator: Ministro JORGE SCARTEZZINI, Data
de Julgamento: 26/10/2004, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 06.12.2004
p. 337RDR vol. 32 p. 414.
[2]
STJ - Decisão Monocrática. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AREsp 1849903 RS
2021/0062066-0
[3] STJ - REsp: 1966556 SP
2021/0145227-0, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento:
08/02/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/02/2022.
[4] STJ - REsp: 1699013 DF
2017/0107239-2, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento:
04/05/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/06/2021.
[5]
Acórdão 1352226, 07128383820198070020, Relator: FERNANDO HABIBE, Quarta Turma
Cível, data de julgamento: 7/7/2021, publicado no DJE: 13/7/2021.
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