Próximo do término do ano letivo
escolar, os pais e responsáveis já devem estar preparados para rematrícula do próximo período.
Esta preparação acompanhar também aos direitos e
deveres inerentes a prestação de serviços educacionais e nas partes envolvidas,
ou seja, o prestador de serviço (escola) e o destinatário final (consumidor).
Efetuamos numa aplicação do fato à norma, temos Código
de Defesa do Consumidor que regula toda e qualquer relação jurídica envolvendo
a circulação de produtos e serviços do fornecedor ao consumidor ou destinatário
final.
Num posicionamento bem elaborado no parecer da
Procuradoria da República, no RE n. 641.005 / PE, engrandece a importância do CDC
a sua aplicação aos contratos de prestação de serviços educacionais:
“As normas
protetivas do CDC desempenham relevante papel social em relação aos contratos
de prestação de serviços educacionais: a uma, por regularem serviço de
utilidade pública prestado por entidades particulares mediante autorização ou
delegação do poder público; a duas, por garantirem equilíbrio numa relação
consumerista marcadamente desigual, já que firmada mediante contrato de adesão,
cujo conteúdo é preestabelecido pela instituição de ensino, por vezes impondo
sanções pedagógicas como meio coercitivo de pagamento”
Podemos seguir como base a construção desta relação
jurídica (regra base ou matriz) da seguinte forma[1]:
Critério Material: prestar serviço ou fornecer produto
Critério espacial: no território nacional
Critério temporal: seu inicio e término dependerá do
contrato estabelecido entre as partes da relação jurídica.
Critério pessoal ou subjetivo:
identificação das partes envolvidas, qual seja, o fornecedor de produtos e/ou
serviços (art. 3° do CDC) e o consumidor (artigo 2° do CDC).
Critério quantitativo: está relacionado
à base de cálculo dos valores a serem pagos pelo serviço prestado. No caso em
tela, são serviços educacionais, sendo regulado conforme o índice inflacionário
em relação ao seu reajuste. Destaca-se o artigo 1°, § 1o, da
Lei 9.870/99:
O valor anual
ou semestral referido no caput deste
artigo deverá ter como base a última parcela da anuidade ou da semestralidade
legalmente fixada no ano anterior, multiplicada pelo número de parcelas do
período letivo.
Feitas tais considerações teóricas iniciais,
necessário adentrar aos temas polêmicos sobre os serviços prestados por
instituições educacionais privadas e o reajuste de matriculas, aplicando por
conseguinte o Código de Defesa do Consumidor e a Lei 9.870/99, que trata sobre
as mensalidades escolares.
Conforme dito, nos reajustes das mensalidades
escolares terão por base o índice inflacionário, no entanto, por tratar-se de
relação de direito privado nada impede que tais valores sejam um pouco aquém
dos índices estabelecidos, desde que a instituição de ensino comprove o
aumento.
Esta comprovação de aumento da mensalidade está
adequadamente de acordo com o princípio da transparência e da informação. O
artigo 4°, do CDC estabelece:
A Política Nacional de Relações de Consumo tem por
objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua
dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a
melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e
harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
IV - educação e informação de
fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à
melhoria do mercado de consumo;”
O artigo 6° do Código de Defesa do Consumidor também
dispõe, com um direito básico ao consumidor:
III - a informação adequada e clara sobre
os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que
apresentem;”
Assim, os reajustes das mensalidades se extrapolados
os limites inflacionários (deve-se recorrer à pesquisa do índice de cada
Estado), a instituição deverá informar o real motivo deste aumento.
Primando ao direito a informação, o artigo 2° da Lei
9.870/99, assim trata:
“O
estabelecimento de ensino deverá divulgar, em local de fácil acesso ao público,
o texto da proposta de contrato, o valor apurado na forma do art. 1o e
o número de vagas por sala-classe, no período mínimo de quarenta e cinco dias
antes da data final para matrícula, conforme calendário e cronograma da
instituição de ensino”
Com efeito, as instituições deverão divulgar em
quarenta e cinco dias de antecedência a eventual proposta de alteração
contratual e os valores a ser reajustado (apurados), assim com deverá ser
apresentando também no mesmo antes da data final para a matricula, seguindo o
calendário e o cronograma. O valor deve ser estipulado no ato da matrícula ou
da sua renovação e dividido em mensalidades iguais.
Portanto, os valores reajustados pela instituição de
ensino deverá fazer correspondência às despesas desta, de modo a aprimorar o
projeto didático-pedagógico ou mesmo para cobrir com reformas e aumentos de
salários. No entanto, o principio da transparência, exposto no Código de Defesa
do Consumidor não poderá ser olvidado, ou seja, o consumidor tem o direito de
solicitar maiores informações para que a fornecedora do serviço prestado
comprove a origem do reajuste apresentando a planilha de custo.
Neste sentido, recomenda-se que, não havendo uma
justificativa plausível por parte da instituição de ensino, o consumidor ou
representante legal, conforme o caso deverá procurar os seus direito, tanto por
parte dos órgãos de proteção de defesa ao consumidor, assim como, não tendo
efeito (resultado positivo) em efetuar a reclamação a este órgão, deve-se
socorrer do Poder Judiciário, de modo, a evitar locupletamento indevido por
parte da instituição de ensino e os abusos dos valores a serem pagos.
Para fazer jus ao direito do consumidor, tente o
diálogo. Interessante procurar a instituição de ensino e conversar com a
direção para que esta explique quanto ao conteúdo da planilha e dos referidos
gastos apresentados.
Caso o diálogo não tenha sido a
solução, o lesado deverá promover uma ação judicial para que cesse o aumento de
tais valores no ano letivo e a devolução dos valores pagos indevidamente a
maior.
Se estiver previsão de clausula
contratual de reajuste de forma abusiva, o artigo 51 do CDC coube por
estabelecer a previsão legal, sendo nula de plenos direito as que, “in verbis”:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas,
abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam
incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
Tratando-se de valores pagos
indevidamente, se comprovado, é possível que tais valores sejam devolvidos em
dobro, conforme dispõe o artigo 42, parágrafo único do Código de Defesa ao
Consumidor:
"O consumidor cobrado em quantia indevida tem
direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em
excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de
engano justificável."
Noutro ponto em relevo, destaca-se a cobrança de
mensalidades. Aplica-se ao disposto do “caput” do artigo 42 do CDC:
“Na cobrança
de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será
submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”
De acordo com o artigo 5° e 6° da Lei n. 9.870/99:
Art.
5o Os alunos já matriculados, salvo quando
inadimplentes, terão direito à renovação das matrículas, observado o calendário
escolar da instituição, o regimento da escola ou cláusula contratual.
Art.
6o São proibidas a suspensão de provas escolares, a
retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades
pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que
couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa
do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a
inadimplência perdure por mais de noventa dias.
Em um caso concreto, um aluno foi exposto ao ridículo
perante aos, pois o modo de cobrança pela instituição de ensino excedeu os
limites legais, tornando vergonhosa a cobrança perante terceiro, no qual
caracterizou danos morais, nos termos
do art. 186 c/c art. 927 do Código Civil. O aluno em débito jamais pode
ser submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça, nem sofrer sanções
pedagógicas, como a suspensão de provas ou a retenção de documentos, inclusive
aqueles necessários para transferência.
Veja a ementa
do caso concreto:
CIVIL E PROCESSO CIVIL. APELAÇAO CÍVEL. AÇAO DE
INDENIZAÇAO. CONTRATO DE PRESTAÇAO DE SERVIÇO DE ENSINO ESCOLAR. ART. 42 DO
CDC. COBRANÇA VEXATÓRIA. REVISAO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. O artigo 42, do
CDC, afirma que na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será
exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou
ameaça”, impondo um dever de cuidado com a pessoa do consumidor, bem como um
dever cooperar com o pagamento de sua dívida (vedando quaisquer meios de
cobrança vexatórios), o qual, se desobedecido, ocasiona-lhe dano e, conforme o
alcance e a intensidade da conduta perpetrada, pode constituir ilícito civil,
ou penal, com as sanções próprias. 2. O CDC consagra a ideia de que o valor da
dignidade da pessoa humana, princípio fundante do Estado Democrático de Direito
Brasileiro, na forma do art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, é superior
ao interesse econômico da cobrança do consumidor inadimplente. 4.
Regulamentando o art. 209, inciso I, da Constituição Federal, a norma trazida
pelo artigo 6º, da Lei nº 9.870/99, a qual regula, dentre outros aspectos, os
métodos de cobrança de serviços educacionais, afirma a impossibilidade de
suspensão de provas escolares, em caso de inadimplemento quanto às mensalidades
escolares. Precedentes do STJ.5. A lide em julgamento tem como cerne a relação
de consumo estabelecida entre a instituição Apelante e os pais do autor, que
contrataram o serviço particular de ensino ao filho menor, bem como os danos
morais decorrentes da situação vexatória, em que o educador expôs ao ridículo o
aluno, na presença dos demais, atinente ao impedimento de que este realizasse
as “provas finais”.6. “Tem-se que a aferição do dano moral também segue a mesma
regra geral do Código de Defesa do Consumidor. Ou seja, a teoria do risco da
atividade ou do negócio desenvolvido pelo fornecedor informa igualmente o temo
do dano moral que, por conseguinte, configura-se independentemente da
existência de dolo ou culpa da conduta do fornecedor responsável pela violação
dos direitos da personalidade do consumidor.” (Dano Moral no Direito do
Consumidor. Héctor Valverde Santana. São Paulo: RT, 2009, p. 113/114)
[grifei]7. Não é adequado entender que ao educador seja dada a possibilidade de
transferir exclusivamente ao educando a responsabilidade de informar seus pais
ou responsáveis acerca de situação de relevância para sua vida escolar (como a necessidade
de prestação de exames finais), sendo certo que tal conduta é, também, de
responsabilidade das escolas, nos cuidados da prestação da educação.8. Para a
fixação do quantum indenizatório, deve-se estar atento aos critérios há muito
sedimentados pela doutrina e jurisprudências pátrias, quais sejam, as
circunstâncias em que se deu o evento, a situação patrimonial das partes e a
gravidade da repercussão da ofensa, além de se atender ao caráter
compensatório, pedagógico e punitivo da condenação, sem gerar enriquecimento
sem causa e, por fim, é de suma importância, a observância dos princípios da
proporcionalidade e razoabilidade. Precedente do STJ.9. No caso em julgamento,
a sentença recursada especificou o alcance da conduta danosa perpetrada, bem
como evidenciou a reprovabilidade do comportamento da ré, enquanto instituição
de ensino, voltada para a formação de cidadãos, e observou a situação
financeira de ambas as partes na fixação da condenação, sendo acertado o valor
arbitrado pelo magistrado sentenciante.10. Recursos conhecidos e improvidos.
(TJ-PI - AC: 201000010027308 PI , Relator: Des.
Francisco Antônio Paes Landim Filho, Data de Julgamento: 31/10/2012, 3a. Câmara
Especializada Cível)
Alias, em casos cobrança de dívidas (em geral), quando
extrapolados os limites normativos configura-se crime ao consumidor, conforme
prescreve o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 71:
Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação,
constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou
de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a
ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:
Pena Detenção de três meses a um ano e multa.
Importante destacar que, nem poderia a instituição de
ensino promover atos desta natureza, tendo em vista que o Poder Judiciário está
à disposição para fazer valer os seus direitos, qual seja cobrar dos seus
consumidores os valores não pagos das mensalidades.
Por fim, diante das informações acima apresentadas, de
qualquer modo, salvo exceções, o diálogo poderá ser a solução, no entanto, nem
sempre será esta a solução de problemas, cabendo o lesado ir em buscar do seu
direito, desde que representado por um advogado de confiança do consumidor para
fazer valer os seus direitos.
[1] Seguimos
os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho sobre a doutrina da Incidência das
Normas Jurídicas, mas aplicada para o ramo do direito tributário, no qual
vislumbramos em aplicar nas relações privadas.